♫AMIGOS DO AFRO CORPOREIDADE♫

quarta-feira, 17 de março de 2010

*O Site da Vez: Revista África e Africanidades - Construções Identitárias*

Por Alexandre Amorim
Durante o ano passado, o músico e escritor Chico Buarque declarou sua repulsa por uma parte da população brasileira que busca suas origens europeias e se esquece de suas origens africanas. De fato, a consulta feita pelo IBGE em 1999 traz 54% de brasileiros declarando-se brancos, enquanto 45% se dizem negros ou pardos. Ou seja, em um país colonizado por europeus que foram buscar a força de trabalho majoritariamente nos escravos africanos, a miscigenação dos dois grupos ainda é um tabu. O compositor de olhos cor de ardósia reclamava do preconceito que tenta esconder uma realidade que deveria ser, ao contrário, comemorada: a influência negra no Brasil é fator essencial para o desenvolvimento da nossa cultura, diversa e ao mesmo tempo abrangente.
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A revista África e Africanidades, online desde maio de 2008, vem mostrando como lutar contra esse preconceito apresentando artigos, resenhas e entrevistas de qualidade. Centrada principalmente nas áreas cultural e pedagógica, a revista se dedica a temas africanos, afro-brasileiros e afro-latinos. A maioria dos artigos é escrita por acadêmicos de áreas como literatura, antropologia e pedagogia e traz assuntos que ainda podem ser considerados tabu ou inusitados, como: o funk carioca deve ser ligado à cultura ou ao crime? Exu pode ser visto como um símbolo pós-moderno? A origem do tango pode ser traçada desde a África?
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O objetivo da revista é promover “a reflexão e o debate acadêmico e pedagógico sobre temas como a história da escravidão, relações raciais e os complexos processos de construção identitária”. A africanidade inerente ao brasileiro está em cada espaço, discutida em cada parágrafo dos textos.
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O periódico, que não está preso a nenhuma instituição de ensino ou de qualquer iniciativa pública ou privada, é trimestral e gratuito, graças à iniciativa de professores, pesquisadores, estudantes, técnicos e especialistas. A composição central do site se divide em quatro partes: o Espaço Acadêmico – artigos, resenhas e relatórios de pesquisa; a seção África e Africanidades na Sala de Aula – dedicado a alunos e professores da Educação Básica; as Colunas, que pretendem informar e entreter sobre diversos temas, como direito, finanças, cinema, saúde e comportamento; e um catálogo de fontes de pesquisa: museus, centros culturais e bibliotecas.
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Os temas abordados nas seções se espalham também por outros espaços da revista: além do menu da revista, existe um acesso por áreas temáticas, divididas em Culturas, Educação, Histórias, Literaturas e Sociedades. Essa divisão parece acontecer mais por uma questão prática do que ideológica ou filosófica, já que os temas podem se confundir entre as áreas propostas. A divisão, portanto, tem a intenção de ajudar, e segue a ideia de que um mesmo assunto pode ser procurado em áreas distintas. No tema Sociedade, por exemplo, achamos textos culturais como um ensaio sobre a multimídia em Heitor dos Prazeres ou filmes sobre os Panteras Negras e Malcolm X. Esse modo de busca se mostra funcional mesmo quando o assunto se torna específico, como a educação afro-indígena.
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Um grande trunfo da revista é ter organizado sua capa (a tela principal) com os assuntos relativos àquela edição, mas trazer também, em suas opções de menu, todos os arquivos já publicados. Além disso, a boa distribuição da informação, o uso inteligente de ferramentas próprias para a publicação na internet (menus, hipertexto, blocos de texto a serem expandidos) e o ótimo equilíbrio entre cores, imagens e texto tornam a leitura da revista fácil, ao mesmo tempo que os artigos se aprofundam. As chamadas dos textos estão em manchetes e pequenos blocos introdutórios, como a maioria dos jornais digitais, mas a íntegra desses textos está sempre no formato pdf, que se abre no próprio browser, facilitando a leitura e mesmo a impressão.
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Com enfoque na cultura e, principalmente, na literatura e na educação, vale a pena visitar a seção de resenhas literárias, que abarcam desde Stuart Hall e sua análise do pós-modernismo até um estudo folclorista de Cecília Meireles sobre batuque, samba e macumba. A seção Sala de Aula traz também artigos que deviam estar na pauta de qualquer pessoa interessada em educação no Brasil: jogos, arte e educação, cotidiano escolar, formação docente e outros assuntos são discutidos sob a luz da resistência contra o preconceito e o racismo. Se cultura e educação são assuntos marginalizados e deixados sempre em segundo plano em nossa sociedade, esses valores voltados à negritude sofrem duplo preconceito: o social e o racial. As questões, quase sempre voltadas à busca de identidade, são justificadas: o papel geralmente secundário e mesmo ridículo do negro na literatura infantil ou o racismo encontrado nas formas tradicionais de estudar as diferenças (mostrando apenas os trajes e pratos típicos de uma raça, sem se aprofundar em sua cultura). Se a revista se preocupa em educar e trazer cultura de modo transparente e sem ranços de preconceito, deve-se elogiar essa preocupação: a ignorância e a aprendizagem equivocada do que é a cultura negra nos leva a ignorar o que nós mesmos somos.
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Os desdobramentos da cultura afro-brasileira são mostrados através de estudos e apontamentos de livros, entrevistas e artigos. As relações étnicas na educação, na sociedade e mesmo como questão de gênero e sexualidade servem como caminho para descobertas, como de que modo a visão do negro pode ser desvirtuada pela mídia e a veiculação de sua imagem. Já que a revista não se intimida em traçar relações interdisciplinares e, principalmente, multiculturais, a arte de descendência africana é demonstrada como diretamente aplicada aos direitos humanos, e a busca identitária passa também por religiosidade e tradições orais.
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Mais do que tudo, a revista África e Africanidades reforça a necessidade de não só afrodescendentes, mas de toda a população nacional participar social e politicamente da preservação da cultura negra através principalmente da educação como força motriz para a mudança. O site chega a citar a necessidade de “luta e resistência em espaços urbanos e rurais”, o que pode parecer exagerado para quem nunca se preocupou em afirmar sua identidade através de um mar de preconceitos, mas deve estar na agenda de todo cidadão brasileiro que espera participar e se fazer representar, porque a ignorância é o que vem nos mantendo presos a um estado social medíocre
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Publicado em 02/02/2010

2 comentários:

Unknown disse...

Te digo com certesa nós vamos mudar em breve tudo isso e deixar o nosso país igualitário com um povo chamado de brasileiro sim, sem olhar para tráz. Vamos valorizar a nós mesmo.
Beleza, bjos.

Denise Guerra disse...

Oi Lucidreira, obrigada pelos comentários! Neste texto além de falar muito bem da nossa revista e fazer uma síntese crítica contundente, também foi citado meus trabalhos várias vezes, por isso me senti muito gratificada ao saber dele. Bjs!

♫ESCOLA DE MÚSICA PENTAGRAMA♫ Direção Mapinha * Músico-Professor♫

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*ACESSE http://www.africaeafricanidades.com.br*

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*"Capoeira é de Todos e de Deus. Mundo e gentes têm mandinga, Corpo tem Poesia, Capoeira tem Axé"*

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*Frase do Livro "Feijoada no Paraíso" Besouro*

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♫SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS♫

  • *CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 6ª edição. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988.
  • *COSTA, Clarice Moura. O Despertar para o outro: Musicoterapia. São Paulo: Summus Editorial, 1989.
  • * FREGTMAN, Carlos Daniel. Corpo, Música e Terapia. São Paulo: Editora Cultrix Ltda,1989.
  • *EVARISTO, Conceição. Ponciá Vicêncio. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2003.
  • * FREYRE, Gilberto. Casa grande e Senzala. 50ª edição. São Paulo: Global Editora, 2005.
  • *HOBSBAWN, Eric J. História Social do Jazz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
  • *LOPES, Nei. Bantos, Malês e Identidade Negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
  • *_________. Dicionário Escolar Afro-Brasileiro. São Paulo: Selo Negro, 2006.
  • *_________. Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. São Paulo: Selo Negro, 2004.
  • *_________. O Negro no Rio de Janeiro e sua Tradição Musical: Partido Alto, Calango, Chula e outras Cantorias. Rio de Janeiro: Pallas, 1992.
  • PEREIRA, José Maria Nunes. África um Novo Olhar. Rio de Janeiro: CEAP, 2006.
  • *RAMOS, Arthur. O Folclore Negro do Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
  • *ROCHA, Rosa M. de Carvalho. Almanaque Pedagógico Afro-Brasileiro: Uma proposta de intervenção pedagógica na superação do racismo no cotidiano escolar. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2006.
  • *___________. Educação das Relações Étnico-Raciais: Pensando referenciais para a organização da prática pedagógica. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007.
  • *ROSA, Sônia. CAPOEIRA(série lembranças africanas). Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
  • *__________. JONGO(série lembranças africanas). Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
  • *___________. MARACATU(série lembranças africanas). Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
  • *SANTOS, Inaicyra Falcão. Corpo e Ancestralidade: Uma proposta pluricultural de dança-arte-educação. São Paulo: Terceira Margem, 2006.
  • *SODRÉ, Muniz. Samba o Dono do Corpo. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.
  • TINHORÃO, José Ramos. Música Popular Brasileira de Índios, Negros e Mestiços.RJ: Vozes, 1975.
  • _________ Os sons dos negros no Brasil. São Paulo: Art Editora, 1988.