INTRODUÇÃO
O começo do século xx no Brasil e especialmente no Rio de Janeiro foram épocas de grandes mudanças e afirmação de certos valores nacionais. Particularmente na década de 20 começaram a aparecer estudos sobre o folclore brasileiro e a identificação dos ritmos característicos desta cidade. O ritmo afro-brasileiro Samba, figurou no cenário nacional encarnando nossa identidade se revelando um fenômeno de grande abrangência e resistência cultural. Com origem nos batuques e relacionado as pessoas que praticavam cultos afro-religiosos, o samba foi se desdobrando ricamente do ponto de vista musical, coreográfico, poético e social. Ambientou nosso carnaval motivou suas historias-enredo, transformou-se no coração das escolas de samba e em símbolo reconhecidamente brasileiro. O samba carioca tem seu lugar merecido nomeado pelo IPHAN como patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro, e aos fenômenos a ele associados podemos creditar a mesma importância, pois, a raiz é a parte fundamental de qualquer criação.
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A obra título desta resenha foi escrita pela poetisa Cecília Meireles, cujo trabalho de folclorista e desenhista é pouco conhecido, mas, tão expressivo quanto sua obra poética. Apesar das diversas conferências que a autora fez na década de 30 a partir deste trabalho, sua primeira publicação só ocorreu em 1983 patrocinado pela Funarte e Banco Crefisul com pouca circulação e tiragem reduzida (OLIVEIRA, 2004). Nossa autora utilizou-se de um estudo etnográfico de gestos e ritmos com motivos ligados ao carnaval e as religiões afro-brasileiras entre os anos de 1926 e 1934, ressaltando as qualidades do negro e não do mestiço como era característico do movimento modernista tão em voga na época. Outro dado que merece atenção é a valorização da tradição oral e dos costumes afro-religiosos muito perseguidos e proibidos no país de então.
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Quanto ao aspecto Biográfico Cecília Benevides de Carvalho Meireles é citada como uma das grandes escritoras da literatura brasileira. Seus poemas encantam os leitores de todas as idades. Nasceu no dia 7 de novembro de 1901, na cidade do Rio de Janeiro. Sua infância foi marcada pela dor e solidão, pois perdeu os pais muito cedo, tendo sido criada pela Avó. Por volta dos nove anos de idade, Cecília começou a escrever suas primeiras poesias.
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Formou-se professora (cursou a Escola Normal) e com apenas 18 anos de idade, no ano de 1919, publicou seu primeiro livro “Espectro” (vários poemas de caráter simbolista). Embora fosse o auge do Modernismo, a jovem poetisa foi fortemente influenciada pelo movimento literário simbolista. No ano de 1922, Cecília casou-se com o pintor Fernando Correia Dias. Com ele, a escritora teve três filhas. Sua formação como professora e interesse pela educação levaram-na a fundar a primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro no ano de 1934. Escreveu várias obras na área de literatura infantil. Seus poemas infantis foram marcados pela musicalidade (uma das principais características de sua poesia). No ano de 1939, Cecília publicou o livro Viagem com o qual ganhou o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras. Fez diversos estudos sobre o Folclore Brasileiro, tendo participado do Primeiro Congresso de Folclore ao Lado de Câmara Cascudo, Gilberto Freire entre outros. Entretanto na cronologia de sua obra pouca referência se fez a este trabalho singular e algumas nem citam a obra motivo desta resenha. Cecília faleceu em sua cidade natal no dia 9 de novembro de 1964.
Formou-se professora (cursou a Escola Normal) e com apenas 18 anos de idade, no ano de 1919, publicou seu primeiro livro “Espectro” (vários poemas de caráter simbolista). Embora fosse o auge do Modernismo, a jovem poetisa foi fortemente influenciada pelo movimento literário simbolista. No ano de 1922, Cecília casou-se com o pintor Fernando Correia Dias. Com ele, a escritora teve três filhas. Sua formação como professora e interesse pela educação levaram-na a fundar a primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro no ano de 1934. Escreveu várias obras na área de literatura infantil. Seus poemas infantis foram marcados pela musicalidade (uma das principais características de sua poesia). No ano de 1939, Cecília publicou o livro Viagem com o qual ganhou o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras. Fez diversos estudos sobre o Folclore Brasileiro, tendo participado do Primeiro Congresso de Folclore ao Lado de Câmara Cascudo, Gilberto Freire entre outros. Entretanto na cronologia de sua obra pouca referência se fez a este trabalho singular e algumas nem citam a obra motivo desta resenha. Cecília faleceu em sua cidade natal no dia 9 de novembro de 1964.
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Ao apresentar este livro-arte alerto aos leitores sobre as limitações que ocorreram neste texto por se tratar apenas de uma resenha, e convido-os a conhecer a obra na íntegra.
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O LIVRO
O livro desta resenha inicia-se com uma belíssima introdução assinada por Lélia G. Soares (diretora do instituto Nacional do Folclore), explicando as diversas faces da autora Cecília Meireles como educadora, poetisa, escritora, desenhista, jornalista, folclorista e pesquisadora dedicada na sua “paixão de transporta-se para o outro”. A Srª Lélia G. Soares pontua sobre o grande interesse de Cecília Meireles pelo estudo do folclore nacional tendo publicado livros sobre e escrito crônicas para jornais sobre o assunto.
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Ainda na nota introdutória a diretora do Instituto Nacional do Folclore ressalta o espírito democrático da poesia de Meireles a qual retratou o negro brasileiro sobre a luz real de suas qualidades, evitando os aspectos pejorativos, parecendo “explicitar a intenção de resgatar a figura do negro dos preconceitos existentes contra ele”. Assim, Cecília Meireles descreveu em telas e letras personagens negros como a baiana, o malandro, o povo de santo e suas expressões culturais, o carnaval e a macumba. A Srª Lélia G. Soares finaliza a introdução citando que as palavras da poetisa valorizam como únicos “cada momento, cada gesto e principalmente cada criatura recorrente no texto”.
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Abordando-se o ensaio propriamente dito folheamos a seguir 70 páginas contendo 35 desenhos grandes, 35 desenhos pequenos e 35 textos explicativos funcionando quase como uma “legenda” ilustrativa para cada desenho. A técnica artística e o material utilizado não foram citados, mas, na primeira página desenhada foram mostrados alguns lápis de giz de cera e em vários desenhos identificamos o seu uso além de carvão, aquarela e nanquim. Não há divisão de capítulos apenas os assuntos comuns foram agrupados sequenciadamente. O referencial espaço temporal são as décadas de 20 e 30 do século xx, no Centro do Rio de Janeiro. Baseio-me na 2ª edição, Editora Martins Fontes, 2003.
Abordando-se o ensaio propriamente dito folheamos a seguir 70 páginas contendo 35 desenhos grandes, 35 desenhos pequenos e 35 textos explicativos funcionando quase como uma “legenda” ilustrativa para cada desenho. A técnica artística e o material utilizado não foram citados, mas, na primeira página desenhada foram mostrados alguns lápis de giz de cera e em vários desenhos identificamos o seu uso além de carvão, aquarela e nanquim. Não há divisão de capítulos apenas os assuntos comuns foram agrupados sequenciadamente. O referencial espaço temporal são as décadas de 20 e 30 do século xx, no Centro do Rio de Janeiro. Baseio-me na 2ª edição, Editora Martins Fontes, 2003.
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As primeiras personagens de que trata a poetisa-desenhista é a baiana a quem dedica um terço da obra. Ela explica detalhadamente que não se trata de um traje regional relativo ao estado da Bahia, mas, de uma personagem vista em três versões: A Quituteira da Esquina, A Dançarina Carnavalesca ou A Macumbeira. Cecília Meireles vai desenhando e descrevendo toda a indumentária da baiana suas aplicações, magias, gestos e vivências sociais; o que usa na cabeça e como usa, todos os colares usados “com a solenidade do pescoço de um ídolo”, pulseiras de prata, brincos, a roupa engomada em tons fortes e coloridos, o pano da costa, as sandálias pintadas ou ornadas, os fetiches com direito a figa de Guiné, o tabuleiro na cabeça com os quitutes doces e salgados, ou apenas uma cestinha de enfeites sobre o turbante para o carnaval; a clientela infantil que espera seus doces, o brilho nos giros na avenida carnavalesca, a exaustão no fim do carnaval. Depois de toda esta descrição minuciosa e de seus traços coloridos e reveladores a ensaísta pergunta: “Será isto uma fantasia?” e ela mesma responde: “Parece antes tratar-se de restos de costumes diversos dos vários povos negros transplantados para o Brasil.”
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Após descrever "o que é que a baiana tem” a autora passa a contar sobre o batuque, o samba, o carnaval, os que fazem o cortejo carnavalesco e sua ambientação musical. Cecília Meireles afirma que “o bamba é o parceiro da baiana”, e eram os homens bambas que faziam os batuques, sambas e tocavam instrumentos rítmicos nos ranchos, cordões, blocos e escolas de samba. O local para as apresentações carnavalescas era invariavelmente a Praça 11 e à sua volta sempre tinha rodas de batuque e samba onde se cantava e dançava livremente, apesar de o batuque estar desde há muito proibido pela polícia.
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A poetisa continua seu texto indagando e respondendo em seguida: “o que vem a ser o batuque e o samba? ambos representam certamente, restos de ritual primitivo”, e continua mais adiante dizendo que “o batuque derivou-se da escola de capoeiragem” além de ser o próprio brinquedo nomeado pelos negros. Neste ponto da obra a desenhista-poeta nos brinda com as figuras do bamba e dos cortejos carnavalesco onde se verifica no estandarte do grupo frases escritas em um português com sotaque africano “Bróco Frô Du Má, Zaúda i pedi pazajin”. Os movimentos são muito expressivos e reveladores nos desenhos da escritora, há palmas, pequenas falas, gingados, e ela faz questão de nomeá-los também: “passos cadenciados pousando os pés com cautela um adiante do outro”. Cecília Meireles reparou no “brincar” dos negros brasileiros a possibilidade de uma “índole boa e conciliadora” já que ao dançarem provocam-se, ou desequilibram-se uns aos outros sem, contudo permitirem a queda do companheiro. A famosa “orgia” do carnaval não passa de um cortejo civilizado a cantar e dançar alegremente pelas ruas da cidade. Os pequeninos acompanham os pais nos vestuários e nas danças.
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O último assunto abordado por Cecília Meireles é o aspecto místico da cultura africana. Parece que o nome “Macumba” serviu para designar qualquer prática religiosa advindas deste grupo social. A poetisa reconhece duas subdivisões da “Macumba”: o “Canjerê” e o “Candomblé”, sedes de trabalhos para o bem e para o mal. Com o suporte de Lopes (2005) pude ver que o “Canjerê” é o antigo nome usado para designar as manifestações da umbanda. Observa-se nos desenhos da autora figuras de perfil ou de costas com tronco em semi flexão para a frente, abaixados, em cores mais sombrias. A autora informa ao leitor sobre os espaços sagrados: o terreiro, o canzol (espécie de santuário), as encruzilhadas e a natureza (locais próprios para o assentamento de trabalhos mágico-religiosos). Percebe-se que as nomenclaturas umbanda, candomblé e as entidades a elas relacionadas na época são um tanto confusas, todavia, Cecília Meireles opta por usar mais frequentemente o nome “Macumba” talvez por ser mais conhecido no senso comum da época. A autora tenta explicar o sincretismo entre os orixás, entidades místicas e santos católicos que se manifestam nos terreiros físicos da Umbanda com sua “vivência” também num outro terreiro do “plano astral” que vive na imaginação do negro “o terreiro da Aruanda”. Segundo Lopes (2005) Aruanda é a “morada mítica dos orixás e entidades da umbanda”.
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O texto avança em detalhes e sutilezas. Cecília Meireles caminha com melindres e pouca vivência no âmbito mágico-religioso: apresenta Oxalá e Exu como duplos contrários (Deus e o Diabo), conta que o individuo pertence a uma entidade por nascença, que o destino de cada um é visto no songororô (o mesmo que o Ifá ); que são os pais e mães de santo os sacerdotes encaminhadores dos rituais; que o local para a cerimônia afro-religiosa e o terreiro, a não ser quando há uma consulta dos brancos aos orixás nos “palacetes’ da zona sul do Rio. Há diversos símbolos para cada entidade no entanto, a cachaça o fumo e a “pemba”(giz branco e grosso) para riscar o ponto das entidades no chão estão sempre presentes. Os atabaques e seus “quitibuns” entorpecem as pessoas até que suas falas se transformem em outras línguas africanas que até os brancos podem falar se tiverem incorporados. Os desenhos neste momento do texto representam as entidades religiosas em possessão. As figuras são mais sombrias e foram retratadas de costas ou de perfil com o tronco em flexão para a frente, porém, tão formosas quanto as demais. A escritora concluiu o assunto fazendo correlações deste mundo com o outro mundo (o Orum e o Ayê – África e Brasil) lembrando as mazelas da grande e tenebrosa travessia Atlântica onde o Banzo “A ausência sem volta” tomou muitos dos nossos irmãos africanos.
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Nesta obra Cecília Meireles parece ter transformado seus materiais de desenho em poéticos traços coloridos pintando personagens negros, seus enfeites, fantasias, seus ritmos, cortejos, crendices, “a doçura selvagem” dos seus rituais. Batuque, Samba e Macumba encerra a alquimia das vozes e imagens que o negro deixou nas lendas; o imaginário mágico social constituído de resistência e fé; a transformação da arte africana no espetáculo brasileiro.
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A imagem hoje aceita quanto à figura do negro brasileiro relacionada ao carnaval firmou-se aproximadamente ao longo do período da pesquisa de Cecília Meireles. A autora ressaltou as qualidades do elemento negro e não do mestiço como o próprio movimento modernista preferia mostrar. De certa forma o país com uma tradição de educação católica não deve ter achado tão interessante a valorização que a poetisa fez dos ritos afro-brasileiros ou a Macumba, talvez por isso a obra esteve tanto tempo engavetada. Cecília Meireles traz em suas palavras certa musicalidade e ritmo haja vista que muitos dos seus poemas transformaram-se em canções. Desta forma, suas impressões do folclore brasileiro especialmente pela música e dança pareceram confirmar nossa identidade nacional impregnada de africanidades.
A imagem hoje aceita quanto à figura do negro brasileiro relacionada ao carnaval firmou-se aproximadamente ao longo do período da pesquisa de Cecília Meireles. A autora ressaltou as qualidades do elemento negro e não do mestiço como o próprio movimento modernista preferia mostrar. De certa forma o país com uma tradição de educação católica não deve ter achado tão interessante a valorização que a poetisa fez dos ritos afro-brasileiros ou a Macumba, talvez por isso a obra esteve tanto tempo engavetada. Cecília Meireles traz em suas palavras certa musicalidade e ritmo haja vista que muitos dos seus poemas transformaram-se em canções. Desta forma, suas impressões do folclore brasileiro especialmente pela música e dança pareceram confirmar nossa identidade nacional impregnada de africanidades.
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Sob a luz dos contrastes como o Folclore e o Erudito, o Sagrado e o Profano, O Negro e o Branco, a África e o Brasil, construímos uma nação afro-descendente muito rica. Não podemos mudar o começo da história, mas, podemos e devemos fazer um final melhor. Encerro este texto com o poema do pintor angolano Albano Neves e Souza afirmando a diversidade do homem sem medo de ser feliz:
ANGOLANO"(Albano Neves e Sousa)
Ser angolano é meu fado, é meu castigo
Branco eu sou e pois já não consigo
mudar jamais de cor ou condição...
Mas, será que tem cor o coração?
Ser africano não é questão de cor
é sentimento, vocação, talvez amor.
Não é questão nem mesmo de bandeiras
de língua, de costumes ou maneiras...
A questão é de dentro, é sentimento
e nas parecenças de outras terras
longe das disputas e das guerras
encontro na distância esquecimento!
*Publicado em:
2 comentários:
Cecília Meireles,
Não era apenas uma poetisa, mas também um brasileira focada em nossas tradições.
Bela divulgalçâo, amoreco (vixe, amoreco é antigo, heim!).
Bjs.
Guará, dizia a minha avó que "o que é bom já nasce feito", antigo ou não vc é ótimo, assim como este trabalho da Cecília Meireles. Obrigada pela participação! Bjs!
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