♫AMIGOS DO AFRO CORPOREIDADE♫

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

*CONSCIÊNCIA NEGRA: MODO DE USAR (por NEI LOPES)*


Quando te disserem que você quer dividir o Brasil em pretos e brancos, mostre que essa divisão sempre existiu. Se insistirem na acusação, mostre que, neste país, 121 anos após a Abolição, em todas as instâncias, o Poder é sempre branco. E que até mesmo como técnicos de futebol ou carnavalescos de escolas de samba, os negros só aparecem como exceção.
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Quando, ainda batendo nessa tecla, te disserem que o Brasil é um país mestiço, concorde. Mas ressalve que essa mestiçagem só ocorre, com naturalidade, na base da pirâmide social, e nunca nas altas esferas doPoder. E que o argumento da mestiçagem brasileira tem legitimado a expropriação de muitas das criações do povo negro, do samba ao candomblé.
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Quando te jogarem na cara a afirmação de que a África também teve escravidão, ensine a eles a diferença entre servidão e cativeiro. Mostre que a escravidão tradicional africana tinha as mesmas características da instituição em outras partes do mundo, principalmente numa época em que essa era a forma usual de exploração da força de trabalho. Lembre que, no escravismo tradicional africano, que separava os mais poderosos dos que nasciam sem poder, o bom escravo podia casar na família do seu senhor, e até tornar-se herdeiro. E assim, se, por exemplo, no século XVII, Zumbi dos Palmares teve escravos, como parece certo, foi exatamente dentro desse contexto histórico e social.
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Diga, mais, a eles que, na África, foram primeiro levantinos e, depois, europeus que transformaram a escravidão em um negócio de altas proporções. Chegando, os europeus, ao ponto de fomentarem guerras para, com isso, fazerem mais cativos e lucrarem com a venda de armas e seres humanos.
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Diga, ainda, na cara deles que, embora africanos também tenham vendidoafricanos como escravos, a África não ganhou nada com o escravismo,muito pelo contrário. Mas a Europa, esta sim, deu o seu grande salto,assumindo o protagonismo mundial, graças ao capital que acumulou comaescravidão africana. Da mesma que forma que a Ásia Menor, com otráfico pelo Oceano Índico, desde tempos remotos.
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Quando te enervarem dizendo que movimento negro é imitação de americano, esclareça que já em 1833, no Rio, o negro Francisco de Paula Brito (cujo bicentenário estamos comemorando) liderava a publicação de um jornal chamado O Homem de Cor, veiculando, mesmo com as limitações de sua época, reivindicações do povo negro. Que daí, em diante, a mobilização dos negros em busca de seus direitos, nunca deixou de existir. E isto, na publicação de jornais e revistas, nacriação de clubes e associações, nas irmandades católicas, nas casasde candomblé... Etc.etc.etc.
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Aí, pergunte a eles se já ouviram falar no clube Floresta Aurora,fundado em 1872 em Porto Alegre e ativo até hoje; se têm idéia do que foi a Frente Negra Brasileira, a partir de 1931, e o TeatroExperimental do Negro, de 1944. Mostre a eles que movimento negro não é um modismo brasileiro. Que a insatisfação contra a exclusão é geral.Desde a fundação do Partido Independiente de Color, em Cuba, 1908, passando pelo movimento Nuestra Tercera Raíz dos afro-mexicanos, em1991; pela eleição do afro-venezuelano Aristúbolo Isturiz como prefeito de Caracas, em 1993; pelo esforço de se incluírem conteúdos afro-originados no currículo escolar oficial colombiano no final dos 1990; e chegando à atual mobilização dos afrodescendentes nas províncias argentinas de Corrientes, Entre Rios e Missiones, para só ficar nesses exemplos.
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Quando, de dedo em riste, te jogarem na cara que os negros do Brasilnão são africanos e, sim, brasileiros; e que muitos brasileiros pretos(como a atleta Fulana de Tal, a atriz Beltrana, e o sambistaSicraninho da Escola Tal) têm em seu DNA mais genes europeus do queafricanos, concorde. Mas diga a eles que a Biologia não é uma ciênciahumana; e, assim, ela não explica o porquê de os afrobrasileirosnotórios serem quase que invariavelmente, e apenas, profissionais daárea esportiva e do entretenimento. E depois lembre que a ConstituiçãoBrasileira protege os bens imateriais portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira e suas respectivas formas de expressão. E que a Consciência Negra é um desses bens intangíveis.
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Consciência Negra repita bem alto pra eles, parafraseando Leopold Senghor não é racismo ou complexo de inferioridade e, sim, um anseiolegitimo de expansão e crescimento. Não é separatismo, segregacionismo, ressentimento, ódio ou desprezo pelos outros grupos que constituem a Nação brasileira.
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Consciência Negra somos nós, em nossa real dimensão de seres humanos,sabendo claramente o que somos, de onde viemos e para onde vamos,interagindo, de igual pra igual, com todos os outros seres humanos, embusca de um futuro de força, paz, estabilidade e desenvolvimento.
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*Fontes:

16 comentários:

diario da Fafi disse...

Olha eu adorei esse texto. Toca na ferida, muito bom.
Programei ele pra postar lá no paideia. Espero que não haja problemas.
Beijos.

Denise Guerra disse...

Oi querida, é pra isso mesmo:COMPARTILHAR! fique à vontade! Bjs!

Dom (Thomaz) disse...

Ainda acho que a diferença se faz mais pela escala social e cultural, do que pela cor da pele. Quem não se honraria em ter na sua casa um Lázaro Ramos, um Gilberto Gil, uma Camila Pitanga, uma Taís de Araujo, um Joaquim Barbosa, entre alguns exemplos?

IPCN disse...

Gratos pelos elogios e mais gratos ainda por escolher este artigo do nosso Nei Lopes para postagem no seu criativo espaço afro de cultura virtual.
Nós do IPCN nos sentimos felizes por tê-la como seguidora.
Saudações

Denise Guerra disse...

Oi Dom, obrigada por sua visita e comentário! Mas, como será que se explica que justamente os negros são a grande maioria das pessoas que ficam na parte de baixo da escala social? É um mistério né! Abraços!

Denise Guerra disse...

Olá pessoal do IPCN sejam bem-vindos! eu é que agradeço imensamente a visita, os comentários, terem dado a honra de serem seguidores do blog e o compartilhar deste belo e necessário texto do mestre Nei Lopes. Voltem Sempre! Um Grande Abraço!

Suzy disse...

É inegável o preconceito contra os negros, mas também é verdade que o dinheiro abre todas as portas. Mas, no geral, existe grande preconceito com o que é "diferente" por parte dos que se julgam a "elite do mundo".
Excelente o texto do Nei. Parabéns por divulgá-lo.

Denise Guerra disse...

Oi Suzy, obrigada por sua opinião nesta postagem! É verdade o que disse, mas, repare que a diferença do negro para o restante da população é bem maior, os números negativos apontam sempre para este lado da diferença. Bjs!

Wanasema disse...

Consciência Negra foi um conceito criado pela Organização de Estudantes da África do Sul (Saso), liderada por Steve Biko, assassinado no final dos anos 1970 dentro das celas do apartheid. Trata-se de uma bela e pertinente reflexão, de caráter libertário, acerca da postura do negro, do ser negro, de uma profunda autocrítica que precisava (e precisa) ser realizada por todo negro.
Nossas principais lideranças, dentre as quais destaco Cuti e Nei Lopes, absorveram os conceitos dessa ideologia e adaptaram-na a nossa realidade. Contudo, infelizmente, a Consciência Negra se faz cada vez mais necessária.
Para encerrar, um excerto de um interrogatório ao qual Steve Biko foi submetido e obrigado a esclarecer a frase (muito usada por nós) “Negro é lindo”.

Belo texto do Nei Lopes, Denise!

Abraços,
Ricardo Riso

“Qual a ideia que está por trás de um slogan como este?

Biko: Acho que a intenção é de que esse slogan sirva, e ele está servindo para um aspecto muito importante em nossa tentativa de alcançar a humanidade. A gente está enfrentando as raízes mais profundas da opinião do negro sobre si mesmo. Quando a gente diz “Negro é lindo”, o que na verdade a gente está dizendo pra ele é: ‘Cara, você está bem do jeito que você é. Comece a olhar para si mesmo como ser humano’. (...) De certo modo que em um certo sentido a expressão “Negro é lindo” desafia precisamente essa crença que faz com que alguém negue a si mesmo.”

(APUD: Biko, Steve. “Escrevo o que eu quero”. São Paulo: Ática, 1990. IN: SILVA, Nelson Fernando Inocencio da. “Consciência Negra em Cartaz”. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001)

Guará Matos disse...

Querida Denise você já conhece minha visão sobre o tema, mas vou me aprofundar mais e em outras etnias.
Citarei os índios brasileiros. Os europeus simplesmente arrebentaram com eles e os brasileiros brancos fizeram o resto. Hoje restam alguns milhares de "vermelhos" pelo Brasil e os que sobreviveram continuam a sofrer perseguições, são tungados (inclusive por alguns administradores), etc. A FUNAI é uma bosta, esta mas nuca se faz presente, realmente!!!! Não falo nem nem em demarcação de terras, isso me parece mais paliativo do que ações para resolver a problemática indigena. Algumas ações isoladas são praticadas a favor, entretanto a quase totalidade é contra.
Mas podemos ir mais além pela nossa América do Sul. Os Incas foram exterminados pelos espanhois, inclusive com a execução do imperador Atahualpa em 1533, sobrando alguns sítios arqueológicos, tipo Machu Picchu, etc.
O que quero dizer com isso é que além dos negros, os vermelhos e todos os de minoria étnica sofrem as perseguições, uma coisa bem planejada e interessante para muitos, "suportada pelas estrelas" do próprio grupo étnico.
É plausível para alguns que o negro continue a ser coitadinho, que o índio seja o ferrado e por aí!
Assisto uma porrada de pretos famosos que aparecem na mídia com ares de defensores e nos leva a crer que são apenas discursos! Defensores de nomeclaturas, ex: Afro-descendentes, Negros e tal. Como se a forma de se dirigir fosse a redenção dos "africanos". E aproveitam para atacar o branco como se isso fosse também resolver o "mundo" de injustiças.
Porém o mais interessante que só esses "abnegados" ascedem na profissão e na sociedade, por quê?
Semana passada eu comentei numa publicação feita por você sobre os atores negros. Só alguns e figurinhas marcadas, que fazem os melhores papeis. E os outros?
Se realmente não houver atitudes educacionais de verdade, moralidade e honestidade, outros séculos virão com os negros continuando a ser manipulados. Falo da base educacional, não da "ajuda" das cotas, que sou contra. A legião de miseraveis brasileiros vai além da cor da pele.
Concordo que temos uma dívida não só com os afros, entretanto, também com os indígenas e precisamos agir. E situação dos "vermelhos" é ainda pior, pois eles estão diminuindo a cada ano por doenças, pistolagens, extermínios e omissão das autoridades.
Apesar dos maus tratos, os pretos são fortes, resistente e por conta das provações, aprenderam a "renascer".
Somos o mesmo povo e precisamos assumir isso. Todos que vivem dentro deste território é brasileiro.
"Sou preto, sou branco, sou índio...sou brasileiro".
Bjs,

Denise Guerra disse...

Ricardo Querido, Obrigada pelo maravilhosa e profunda opinião! Ainda temos muito que aprender e crescer como seres humanos. Então Vamos Lá! Bjs!

Denise Guerra disse...

Guará muito obrigada por expor sua opinião num assunto tão atual e polêmico! Acho confuso falarmos em minorias quando sabemos que a população brasileira hoje se compõe de mais de 50% de negros ou afro-descendentes, e que na verdade o branco nunca foi maioria, mas, sempre o dono da maior riqueza ou do poder, tanto que além de exterminar os índios conseguiram estar a frente das suas representações por isso quase não ouvimos as vozes indígenas. A lei 11645/08 da educação preve a diminuição das diferenças fazendo valer a educação a partir da história, cultura e literatura africana, afro-brasileira e indígena; pelo que sei aos trancos e barracos ela caminha quanto aos negros nas escolas, quanto aos índios não vejo força nas suas representações. Gostaría mesmo que assumíssemos as misturas incluindo a necessidade da igualdade de oportunidades para todos. Sem isso nem índios, nem negros, nem pobres chegaram a parte alguma. Um grande Beijo!

Unknown disse...

Branco de alma negra !!!
Negro de alma branca !!!
....
Apenas sou de alma negra,
com raiva, com pena, com horror,
de tanta coisa que foi feita
por brancos e/ ou negros
sem alma.

Denise Guerra disse...

Caríssimo Joe, obrigada por sua poética participação! Me sinto solidária com vc em relação a todas as perdas humanas! Abraços!

Clementino Junior disse...

Oi, Denise!
Feliz 2010!
Claro que soube, eles não eram tão brancos, mas mesmo assim a questão social foi grave e me deixou muito triste, por se tratar de um jornalista, que por ser judeu, sempre se posicionou (o que seria normal) contra qualquer tipo de preconceito, e ouvir aquilo foi triste (não sei se o CQC estivesse no ar, se seria um "Top Five" por ser da mesma emissora).
Dia 26 de fevereiro estaremos de volta lá na Casa de Rui, e me mande divulgação de suas atividades pelo email.
Beijos
Clems

Denise Guerra disse...

Oi clems, seja bem-vindo! Mandarei sim e estarei por perto quando vc retornar as atividades do Cine Clube Atlântico Negro. Bjs!

♫ESCOLA DE MÚSICA PENTAGRAMA♫ Direção Mapinha * Músico-Professor♫

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*"Capoeira é de Todos e de Deus. Mundo e gentes têm mandinga, Corpo tem Poesia, Capoeira tem Axé"*

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♫SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS♫

  • *CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 6ª edição. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988.
  • *COSTA, Clarice Moura. O Despertar para o outro: Musicoterapia. São Paulo: Summus Editorial, 1989.
  • * FREGTMAN, Carlos Daniel. Corpo, Música e Terapia. São Paulo: Editora Cultrix Ltda,1989.
  • *EVARISTO, Conceição. Ponciá Vicêncio. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2003.
  • * FREYRE, Gilberto. Casa grande e Senzala. 50ª edição. São Paulo: Global Editora, 2005.
  • *HOBSBAWN, Eric J. História Social do Jazz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
  • *LOPES, Nei. Bantos, Malês e Identidade Negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
  • *_________. Dicionário Escolar Afro-Brasileiro. São Paulo: Selo Negro, 2006.
  • *_________. Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. São Paulo: Selo Negro, 2004.
  • *_________. O Negro no Rio de Janeiro e sua Tradição Musical: Partido Alto, Calango, Chula e outras Cantorias. Rio de Janeiro: Pallas, 1992.
  • PEREIRA, José Maria Nunes. África um Novo Olhar. Rio de Janeiro: CEAP, 2006.
  • *RAMOS, Arthur. O Folclore Negro do Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
  • *ROCHA, Rosa M. de Carvalho. Almanaque Pedagógico Afro-Brasileiro: Uma proposta de intervenção pedagógica na superação do racismo no cotidiano escolar. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2006.
  • *___________. Educação das Relações Étnico-Raciais: Pensando referenciais para a organização da prática pedagógica. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007.
  • *ROSA, Sônia. CAPOEIRA(série lembranças africanas). Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
  • *__________. JONGO(série lembranças africanas). Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
  • *___________. MARACATU(série lembranças africanas). Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
  • *SANTOS, Inaicyra Falcão. Corpo e Ancestralidade: Uma proposta pluricultural de dança-arte-educação. São Paulo: Terceira Margem, 2006.
  • *SODRÉ, Muniz. Samba o Dono do Corpo. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.
  • TINHORÃO, José Ramos. Música Popular Brasileira de Índios, Negros e Mestiços.RJ: Vozes, 1975.
  • _________ Os sons dos negros no Brasil. São Paulo: Art Editora, 1988.