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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

♫Tango: Dança e Música de matriz africana do Brasil à Argentina♫

*Por Denise Guerra

Há diversas histórias sobre a origem e evolução do tango. Apesar das contradições geradas em torno do assunto, pesquisadores como Picotti e Fernandes são unânimes em dizer que o tango é um produto híbrido de várias culturas, mas, também, que é inegável a contribuição africana na criação do gênero, que tem seu início marcado no Brasil e na Argentina no século XIX.
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Para conhecermos como o legado africano foi importante na criação do tango, trago um estudo comparativo nos âmbitos histórico-social e cultural entre Brasil e Argentina, representados pelas cidades do Rio de Janeiro e Buenos Aires, as quais foram capitais culturais e políticas dos referidos países desde os períodos coloniais até os períodos republicanos. Enfatizarei os primórdios do gênero tango de 1870 à 1900, abordando suas características étnicas, musicais, afetivas e coreográficas; bem como, a dialética ocorrida no contexto sócio político de Brasil e Argentina que, pelas práticas escravistas adotadas, foram palco de aculturação especialmente com matrizes africanas.
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A interação entre Brasil e Argentina desde o começo do século XVI foi deveras expressiva. Nossas relações diplomáticas começaram com o Brasil exportando mão de obra escrava para a Argentina, passando por trocas nos âmbitos econômicos, sociais, culturais e políticos, até lutarmos lado a lado por ocasião da guerra do Paraguai, ou em lados contrários por causa dos ingleses. As pestes que assolaram a Argentina como a febre amarela em 1870 também chegou ao Brasil no mesmo período. No ir e vir dos navios brasileiros e argentinos, produtos, pessoas, idéias, sentimentos e costumes navegavam amalgamando-se inevitavelmente. Foi exatamente através dos portos de Buenos Aires e do Rio de janeiro que os grupos étnicos africanos de origem banto, especialmente congo-angolanos, imprimiram suas marcas dando início as culturas afro-argentina e afro-brasileira.
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Pesa sobre o Brasil a triste estatística de ter sido um dos primeiros países das Américas a se beneficiar da escravidão e também o último a aboli-la. Os números desta crueldade no Brasil foram de pelo menos 1/3 do total de africanos escravizados nas Américas. O episódio da escravidão na Argentina foi menor em números, todavia, não menos hostil que no Brasil.
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A produção cultural dos negros brasileiros, inclusive em função de sua condição servil, foi pouco registrada, pobremente divulgada e apresentada mediante relatos preconceituosos, em geral referidos pejorativamente pelos visitantes estrangeiros e pelas elites brasileiras como “Batuque de Negros”. No entanto, encontram-se registros impecáveis nas obras do autor Tinhorão sobre as matrizes africanas da música popular brasileira de negros e mestiços. O colonizador logo percebeu que não poderia conter a expressividade dos africanos escravizados, já que para cada atividade exercida havia cantos propiciatórios, batuques e danças, numa espécie de adaptação aos costumes africanos. A interferência das igrejas católicas na vida musical das cidades, a interação sonora dos estrangeiros visitantes e os batuques das senzalas encenavam o caldeamento cultural que estava por vir.
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A música dos afro-brasileiros se fez entoar nos cantos de trabalho dos campos agrícolas, nas igrejas entre canções e instrumentos europeus com a execução de vozes e mãos afro-brasileiras, uma vez que o contingente de mestiços aqui era bem maior do que o de brancos. Nos batuques à porta das senzalas havia as umbigadas já assistidas por brancos como um espetáculo sem precedentes. Nas cidades, por volta de 1870, as coroações dos reis do congo iniciavam os folguedos do carnaval. Viam-se na mesma época cativos carregadores do pesado ritmando seus passos com improvisos e toadas. A cidade do Rio de Janeiro era povoada por africanos e afro-brasileiros a executarem toda sorte de serviços; assim o negro nas ruas, escravos ao ganho, trabalhava e entoava pregões. Os barbeiros da cidade montavam inúmeras pequenas bandas musicais e competiam com as bandas militares que também tinham no seu corpo negros e mestiços.
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Do outro lado do Rio da Prata o burburinho era muito parecido com o do Brasil, contudo, o sotaque era mesclado entre africanos, espanhóis, nativos e visitantes. O processo político na Argentina foi bastante complicado e diferente do nosso. A independência de Buenos Aires ocorreu em 1810, a “abolição da escravidão” (entre aspas mesmo) ocorreu em 1813, e de fato em 1860 quando Buenos Aires se uniu a federação Argentina. Houve também inúmeras batalhas internas ao longo do século XIX entre as províncias argentinas, revelando-nos um caso ímpar.
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O valor dado ao negro africano escravizado era o mesmo no Brasil e na Argentina, o de “peça”, mercadoria ou material para mão-de-obra. Todavia, parece que o português foi mais receptivo às misturas raciais, até pelo seu interesse de povoar o Brasil. O argentino ao contrário, forçou a invisibilidade dos africanos empurrando-os para as frentes das inúmeras guerras, deixando-os ao sabor de insalubres recantos com a ameaça de violentas pestes assolando o país, e forçando a miscigenação das mulheres viúvas negras, com os imigrantes europeus brancos que chegavam para trabalhar.
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Todas estas negações produziram resistências sócio-políticas e culturais. A presença afro-argentina fez-se nos Candombes (festas com dança e música de negros), o negro de lá também esteve nas ruas ao ganho cantando seus pregões. Como todo porto da era colonial, os carregadores do pesado foram inevitáveis cantando e ritmando pela cidade com suas cargas; e mais: bandas de músicos (as murgas), comparsas de carnaval, lavadeiras cantando na beira do Rio da Prata, e os famosos bailes de negros.
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Neste misto de encontros e desencontros após o fim da guerra do Paraguai em 1870, nasce o Tango, palavra com vários significados desde o latim “tocar, tanger” até a origem africana afirmada por Picotti como vocábulo bantu que quer dizer círculo, reunião, baile de negros, tambor. Outra vertente citada por este autor argentino é que a palavra tango seria oriunda do nome Shangô, o Deus iorubano do trovão.
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Segundo a história da música o nosso tango foi registrado oficialmente antes do tango argentino, em 1871 por Henrique Alves de Mesquita com o nome de “Olhos matadores”. O tango brasileiro seria descendente direto dos lundus (primeira música afro-brasileira vinda dos batuques), com as habaneiras cubanas e os tangos espanhóis. Os tangos brasileiros foram criados em sua maior parte sem letras, destinados mais para a dança, embora o grande compositor de tangos brasileiros Ernesto Nazareth afirmasse que seus tangos eram músicas para serem ouvidas e não dançadas.
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Os bailes de negros na Argentina entre 1860 e 1870 eram anunciados eventualmente como “Tangos dos negros”. O nascedouro do tango argentino ficou registrado aproximadamente no ano de 1880 por Angel Villoldo com o nome de “El Choclo”. As origens musicais do tango argentino seriam os candombes (ou batuques de negros) e sua irmã milonga, com a habaneira cubana e os tangos espanhóis. O tango na argentina apareceu como expressão folclórica das populações urbanas, pobres dos prostíbulos e cortiços portuários. Em sua fase inicial o tango argentino era puramente dançante.
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Quanto à estrutura musical tanto o tango brasileiro quanto o argentino possuíam ritmos em compasso binário 2/4, eram repleto de síncopes (ritmo pregnante na cultura africana), quase todos na forma A-B-A, alguns com canto responsorial (maneira de cantar do africano). Os brasileiros em sua maioria preferiam os modos maiores, e os argentinos alternavam suas composições entre os modos maiores e menores. A temática dos tangos brasileiros versava no estilo alegre e jocoso, já os argentinos pelos estilos tristes e lamentosos.
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Nestes primórdios o tango brasileiro foi dançado como o lundu e depois fixou-se como a dança do maxixe com pares de cavalheiros e dama. O tango argentino foi dançado como milonga por duplas de cavalheiros, inicialmente pela falta de damas. Note-se que até este momento as danças de pares não permitiam uma maior aproximação corporal entre homens e mulheres.
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A luz do século XX Brasil e Argentina buscavam afirmar suas identidades e mais uma vez a cultura veio para dar suporte aos nacionalismos desejados. O tango então floresceu como um fenômeno para os argentinos que criaram um estilo próprio de compor, tocar, cantar e dançar, sendo reconhecido mundialmente como a marca mais indelével de argentinidade. O tango brasileiro trocou de nome em função das exigências comerciais da época, reforçando cada vez mais as tendências sincopadas dos maxixes e dos choros desaguando no samba, logo, cartão postal do país e sinônimo de brasilidade.
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Um olhar mais atencioso sobre as concordâncias e discordâncias de cariocas e buenairenses sobre a arte do tango, nos revela que os elementos ritmo e dança foram as contribuições mais importantes das matrizes africanas para este gênero. Nossa descendência africana se fez representar no âmbito cultural para sustentar o pertencimento de cada nação. Da sutileza de sentimentos a mais profunda sensação, do alegre e jocoso jeitinho tanguístico brasileiro, ao melancólico e visceral sestro tanguístico argentino: “Compor, cantar, tocar e dançar o tango, é vestir-se com o dom que se tem!”.
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♫SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS♫

  • *CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 6ª edição. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988.
  • *COSTA, Clarice Moura. O Despertar para o outro: Musicoterapia. São Paulo: Summus Editorial, 1989.
  • * FREGTMAN, Carlos Daniel. Corpo, Música e Terapia. São Paulo: Editora Cultrix Ltda,1989.
  • *EVARISTO, Conceição. Ponciá Vicêncio. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2003.
  • * FREYRE, Gilberto. Casa grande e Senzala. 50ª edição. São Paulo: Global Editora, 2005.
  • *HOBSBAWN, Eric J. História Social do Jazz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
  • *LOPES, Nei. Bantos, Malês e Identidade Negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
  • *_________. Dicionário Escolar Afro-Brasileiro. São Paulo: Selo Negro, 2006.
  • *_________. Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. São Paulo: Selo Negro, 2004.
  • *_________. O Negro no Rio de Janeiro e sua Tradição Musical: Partido Alto, Calango, Chula e outras Cantorias. Rio de Janeiro: Pallas, 1992.
  • PEREIRA, José Maria Nunes. África um Novo Olhar. Rio de Janeiro: CEAP, 2006.
  • *RAMOS, Arthur. O Folclore Negro do Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
  • *ROCHA, Rosa M. de Carvalho. Almanaque Pedagógico Afro-Brasileiro: Uma proposta de intervenção pedagógica na superação do racismo no cotidiano escolar. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2006.
  • *___________. Educação das Relações Étnico-Raciais: Pensando referenciais para a organização da prática pedagógica. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007.
  • *ROSA, Sônia. CAPOEIRA(série lembranças africanas). Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
  • *__________. JONGO(série lembranças africanas). Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
  • *___________. MARACATU(série lembranças africanas). Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
  • *SANTOS, Inaicyra Falcão. Corpo e Ancestralidade: Uma proposta pluricultural de dança-arte-educação. São Paulo: Terceira Margem, 2006.
  • *SODRÉ, Muniz. Samba o Dono do Corpo. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.
  • TINHORÃO, José Ramos. Música Popular Brasileira de Índios, Negros e Mestiços.RJ: Vozes, 1975.
  • _________ Os sons dos negros no Brasil. São Paulo: Art Editora, 1988.