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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

*Publicado hoje no site África em Nós *Um Olhar Sobre a Cultura Corporal de Movimento Afro-Brasileira Construída a Partir da Corporeidade Africana*

*Por Denise Guerra

Temos constatado que a vida do africano se dá numa diversidade complexa e integrada em todos os sentidos que dela fazem parte. A expressão corporal, por exemplo, faz parte da sua vida como o próprio movimento da natureza e do viver. O africano canta e dança nos diversos eventos da comunidade a que pertence, e das mais variadas formas que a criatividade e a espiritualidade lhe concedem, mas, especialmente para celebrar a vida!

Podemos dizer que o som e o movimento são os mediadores na relação do homem com o meio e com o outro. Verificamos veementemente nesse homem integral que se apresenta na África, do qual somos descendentes, a expressão de suas emoções e transcendência através da dança, corpo, movimento, sons, ritmos, palavras, contagiando e penetrando no seu eu e nos outros seres a sua volta, o ímpeto mais sublime de “energia vital” que no Brasil é chamado de Axé.

As manifestações expressivas corporais do homem na sociedade são tratadas pela Educação Física como “Cultura Corporal de Movimento”, elas estão diretamente relacionadas com a dimensão mais simbólica do indivíduo, a sua “Corporeidade”. A corporeidade por sua vez, é a relação do homem consigo mesmo ou o sentido de pertencimento de cada um; e a partir destas considerações, pressupomos então a “Cultura Corporal de Movimento” do homem afro-brasileiro herdeiro de uma “Corporeidade” de matriz africana.

Trocando em miúdos, o termo Cultura Corporal de Movimento encontra raízes em algumas ciências como a antropologia. Desde as suas origens o ser humano produziu cultura, e para a antropologia cultura é entendida como produto da sociedade, ou o conjunto de códigos simbólicos reconhecíveis pelo grupo o qual os indivíduos pertencem, antecedendo-os e transcendendo-os. O pensamento de Gertz define bem as relações entre homem-corpo e cultura: “Ser homem não é ser qualquer homem, mas uma espécie particular de homem, é possível discutir o corpo como uma construção cultural, já que cada sociedade se expressa diferentemente por meio de corpos diferentes”.

Imerso nesta cultura que produz e da qual é produto, o homem foi transformando seu movimento para benefício de suas relações consigo mesmo com o outro e com o meio. Surgiu daí uma grande diversidade de conhecimentos a respeito do corpo e do movimento, os quais foram produzidos e usufruídos pela sociedade. Assim, os inúmeros conhecimentos e representações de corpo e movimento (seja por razões sócio-econômicas, políticas, esportivas, lúdicas e religiosas), foram ressignificados quanto as suas intencionalidades transformando as formas de expressão ao longo dos tempos, constituindo o que se pode chamar de Cultura Corporal de Movimento.

O termo “Cultura corporal” foi cunhado por Daolio e compreende alguns princípios que podem caracterizar a dimensão do conceito em questão: A pluralidade, a alteridade, as diferenças culturais. A pluralidade da própria formação do homem afro-brasileiro e as alteridades que se somaram para formar esta identidade revela uma corporeidade ímpar e ao mesmo tempo amalgamada de diversas culturas. Todavia, a maior parte da Cultura Corporal de Movimento brasileira tem como referência as matrizes africanas, tanto assim que entre os mais expressivos cartões postais do Brasil figura o samba, o carnaval e a capoeira, tendo os ritmos da África como base.

Começamos pensando na sociedade que é a base do indivíduo e que nos faz entende-lo melhor. Passamos agora a esclarecer o termo corporeidade que remete à individualidade do homem. Eis algumas definições: “É a forma do homem ser-no-mundo. Implica ainda na aceitação da transcendência e da espiritualidade”. Ou ainda: “as diversas dimensões da vida que se entremeiam na presença corpórea”. Para falar do “ser-no-mundo” africano nada mais precioso que a “palavra”, dado a importância que esta tem para ele. E não é mesmo a palavra que o define, que fala dele e para ele? Gonçalves escreveu o seguinte sobre a dimensão da palavra para o homem:
A expressão do homem pela linguagem revela a profunda unidade corpo-espírito. (...) A palavra desvela uma subjetividade encarnada, uma forma concreta de o homem ser e relacionar-se com seu mundo. (...) A palavra é o ser do próprio pensamento e do sentido que o habita.

Por isso não é suficiente a idéia de que a palavra expressa códigos e símbolos de uma cultura, a palavra sobre este prisma vincula o sujeito a sua própria existência, ela é o homem e vive-versa. Na idéia de uma vida integrada a todas as coisas que há no mundo, o africano parece mais usar o verbo somar do que o verbo dividir, pois, na sua corporeidade cabe ainda seu ancestral e os futuros descendentes. A própria terra de quem ele é propriedade (mãe terra?) é reverenciada com respeito e cuidado, já que é ela quem lhe deu a vida e quem o aguarda no dia em que ele também será um ancestral.

Esta corporeidade multifacetada e íntegra do homem africano apesar das atrocidades da escravidão e de toda sorte de estigmas nomeados pelo homem branco, teve uma energia vital mais brilhante e deixou-se vibrar através de sons, ritmos, tonalidades, gestos, movimentos. Pode-se dizer que foi no contexto dos navios negreiros, das senzalas, dos quilombos, e mais recentemente dos morros e favelas brasileiras que surgiu a Cultura Corporal de Movimento afro-brasileira tendo como cerne a corporeidade do homem africano.

A arte não se separa da vida do africano, ele canta enquanto trabalha, dança enquanto luta, faz um musical (canto+dança) enquanto reza aos orixás, brinca, pinta, borda, molda e tece sua vida artesanalmente. Desta forma ele fez brotar a Cultura Corporal de Movimento Afro-brasileira.

Recebemos um riquíssimo legado cultural construído como luz no fim do túnel da resistência as crueldades do cativeiro: encenações de vissungos, jongos, congadas, sembas e seus respectivos bailados e derivações, bem como, o repertório de danças e bailados brejeiros, guerreiros ou simplesmente mágicos que a memória oral do africano tratou de preservar e emprestar às traduções da Cultura Corporal de Movimento Afro-brasileira.

Advindas das coroações de reis e rainhas do congo e de outras regiões da África, as encenações dos reisados, das congadas, dos maracatus e dos ranchos carnavalescos serviram a princípio no Brasil a uma óbvia intenção dos colonizadores em manter os negros sob controle, mas, especialmente os negros Bantos usaram sabiamente o espaço que os brancos lhes concediam para perpetuar sua cultura e sua história.

As danças afro-brasileiras que dramatizam lutas/guerras com seus respectivos guerreiros encontram suas origens em manifestações africanas como é o caso dos moçambiques e da dança dos quilombos para o nosso maculelê; também a capoeira angola parece ter raízes na dança ngola ou dança da zebra e elementos dos moçambiques e quilombos.

Entre as manifestações expressivas de caráter mais religioso comparecem os jongos e vissungos; no entanto, há autores que definem o jongo como um tipo de samba ou o pai do samba. Os remanescentes afro-brasileiros do Jongo da Serrinha preferem nomear o jongo como “manifestação religiosa, musical e cultural”. As raízes ancestrais e religiosas do africano comparecem com reverência peculiar no candomblé o qual “tem oportunizado aos grupos um significativo material artístico” ; dele surgiu a dança-afro ou dança dos orixás sob a forma de espetáculo para ser assistido.

Por fim, uma das manifestações culturais mais reconhecidas no Brasil é sem dúvida o samba e sua festa primordial o carnaval. A história da música brasileira aponta como prováveis origens africanas do samba o batuque, a semba ou umbigada (dança), e o próprio jongo (dança e música); o carnaval teria se originado dos ranchos carnavalescos inspirados também nas festas de reisados. Assim se fez a Cultura Corporal de Movimento afro-brasileira mesclada de uma infinidade de sons, ritmos, palavras, movimentos, ancestrais, mãe terra, natureza, rituais, mitos, magias, cores e bantu (pessoas) ou a corporeidade africana.

A própria condição de vida impele o indivíduo a ser parte de uma cultura. Sorte ou azar o pertencimento do homem afro-brasileiro é multifacetado; e também caricaturado através dos vários recursos expressivos de que dispõe este “corpo mestiço” dando-lhe a famosa alcunha de “jeitinho brasileiro”.

As experiências culturais e expressivas do homem africano levantadas neste artigo pretenderam pontuar a possibilidade de resgate, ressignificação, manutenção, transformação e construção da Cultura Corporal de Movimento afro-brasileira que se manifesta coletivamente a partir de uma corporeidade de matriz africana.

Na arte de viver do africano encontramos uma de nossas raízes: dançar, cantar, tocar, usufruir da Cultura Corporal de Movimento e somar energias positivas para aumento da força vital de uma corporeidade plural. Que nós possamos vivenciar a veracidade da história como um bom Griot, sem esquecer nem macular nossas origens e os nossos ancestrais!
*Meu Texto Publicado em 22/10/09 No Blog Baobá do Site http://www.africaemnos.com.br/
*Fontes consultadas:
DAOLIO, Jocimar. Da cultura do corpo. Campinas, SP: Papirus, 1995.
______________. Educação Física e o Conceito de Cultura. Campinas,SP: Autores Associados, 2004.
GERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara koogan, 1989.
GONÇALVES, Maria A. Salin. Sentir, pensar e agir – Corporeidade e educação. 9a ed. Campinas, SP: Papirus, 1994.
TINHORÃO, José Ramos.Os sons dos negros no Brasil. São Paulo: Art Editora, 1988.
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♫SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS♫

  • *CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 6ª edição. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988.
  • *COSTA, Clarice Moura. O Despertar para o outro: Musicoterapia. São Paulo: Summus Editorial, 1989.
  • * FREGTMAN, Carlos Daniel. Corpo, Música e Terapia. São Paulo: Editora Cultrix Ltda,1989.
  • *EVARISTO, Conceição. Ponciá Vicêncio. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2003.
  • * FREYRE, Gilberto. Casa grande e Senzala. 50ª edição. São Paulo: Global Editora, 2005.
  • *HOBSBAWN, Eric J. História Social do Jazz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
  • *LOPES, Nei. Bantos, Malês e Identidade Negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
  • *_________. Dicionário Escolar Afro-Brasileiro. São Paulo: Selo Negro, 2006.
  • *_________. Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. São Paulo: Selo Negro, 2004.
  • *_________. O Negro no Rio de Janeiro e sua Tradição Musical: Partido Alto, Calango, Chula e outras Cantorias. Rio de Janeiro: Pallas, 1992.
  • PEREIRA, José Maria Nunes. África um Novo Olhar. Rio de Janeiro: CEAP, 2006.
  • *RAMOS, Arthur. O Folclore Negro do Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
  • *ROCHA, Rosa M. de Carvalho. Almanaque Pedagógico Afro-Brasileiro: Uma proposta de intervenção pedagógica na superação do racismo no cotidiano escolar. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2006.
  • *___________. Educação das Relações Étnico-Raciais: Pensando referenciais para a organização da prática pedagógica. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007.
  • *ROSA, Sônia. CAPOEIRA(série lembranças africanas). Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
  • *__________. JONGO(série lembranças africanas). Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
  • *___________. MARACATU(série lembranças africanas). Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
  • *SANTOS, Inaicyra Falcão. Corpo e Ancestralidade: Uma proposta pluricultural de dança-arte-educação. São Paulo: Terceira Margem, 2006.
  • *SODRÉ, Muniz. Samba o Dono do Corpo. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.
  • TINHORÃO, José Ramos. Música Popular Brasileira de Índios, Negros e Mestiços.RJ: Vozes, 1975.
  • _________ Os sons dos negros no Brasil. São Paulo: Art Editora, 1988.